quarta-feira, 25 de julho de 2012

Texto

Para melhor entender o processo de participação das Agências Federais Brasileiras, apresentamos o texto da Senhora Lúcia Helena Salgado:

Análise de Impacto Regulatório

A Análise de Impacto Regulatório (AIR) é um instrumento de aperfeiçoamento da eficácia e da eficiência da atividade regulatória, que auxilia o regulador a focar nos seus ditames legais. É parte de um processo de fortalecimento da governança regulatória, podendo ser visto como um conjunto de recomendações de procedimentos a serem adotados para melhor informar o processo de tomada de decisão em regulação.
No marco atual das agências brasileiras, o legislador já definiu com clareza o objetivo último, de atendimento ao interesse publico por parte das agências reguladoras.
Nesse caso, a AIR torna-se ferramenta útil para a escolha das medidas que melhor atendem a esses objetivos – da forma mais eficiente possível.
Algumas das boas práticas recomendadas pela OCDE1 para uma adequada implementação da AIR – “envolver o público extensivamente” e“conferir publicidade aos resultados” – estão previstas no marco legal brasileiro das agências regulatórias e já foram incorporadas à sua prática, sob a forma de audiências públicas, consultas públicas e divulgação das razões que motivaram às decisões. Certamente há diferenças quanto ao nível de qualidade e de profundidade, mas esse aspecto da AIR já é uma rotina no Brasil.
Nesse sentido, o projeto de lei nº 3.337/04, a Lei das Agências, em trâmite no Congresso, prevê em sua atual redação a instituição da consulta pública prévia para todas as agências, bem como a publicação do material técnico e dados que embasaram a proposta.
A Consulta pública é o processo pelo qual as partes interessadas informam o regulador a respeito de uma política potencial. É uma ferramenta útil para aumentar a transparência, a eficiência e a efetividade da regulação, bem como para reduzir os custos inerentes a ela. Considerando a função estrita de informar o regulador, a consulta pública oferece dados condizentes com a ótica da parte afetada, bem como possibilita considerar efeitos que inicialmente não seriam percebidos. Além disso, possibilita a utilização de dados relativos aos efeitos inicialmente considerados, abrindo a possibilidade de considerar novos efeitos indicados pelos agentes econômicos. Ainda, a consulta pública amplia a visão do regulador, tal como é a função de qualquer diálogo e debate ordenado bem conduzido.
Além disso, a consulta pública corrobora para a legitimação da decisão tomada, que também é uma das funções da AIR. Pode contribuir nesse aspecto por ser capaz de envolver, além das partes afetadas, toda a sociedade, fazendo com que todos os agentes interessados contribuam com a realização da AIR, tornando-a mais equânime.
Dessa maneira, a utilização desse instrumento possibilita aproximar as agências da representação das demandas dos consumidores. Esta, por seu turno, quanto melhor informada e preparada, reforça a autonomia do regulador contra pressão de interesses de pequenos grupos organizados, por conformar base ampla de apoio, necessária até porque boa parte de iniciativas do regulador em prol do interesse público desagradam aos regulados.
Observe-se que a consulta pública tem maior utilidade para a AIR se for utilizada como subsídio para análise. Ou seja, se a sua realização for realmente para servir aos 1 Ver boas práticas recomendadas pela OCDE em OECD, “Regulatory Impact Analysis: Best Practices for Regulatory Quality and Performance”. Paris, 1997 reguladores com informações que serão utilizadas no abalançamento dos efeitos daregulação, e não só ser um instrumento de legitimação da decisão tomada, ou, e neste caso função da consulta é nula, como apenas uma etapa burocrática a ser seguida.
Contudo, certo cuidado deve ser tomado de modo a evitar o que Malyshev2 chama de “Fadiga da Consulta”, um efeito evidenciado no Canadá e no Reino Unido, segundo o qual as amplas consultas parecem ter resultado em uma fadiga por parte dos grupos de interesse, que se sentem sobrecarregados pelo extenso número de matérias sobre as quais têm de fornecer informação. O efeito, embora carregue um sinal positivo por indicar que um patamar altamente consultivo e transparente foi alcançado, pode reduzir o nível de qualidade dos comentários das partes envolvidas, prejudicando a tomada de decisão política.
Além disso, há ainda o problema da assimetria de informação e clássico problema da organização de grandes grupos. Ou seja, os interesses difusos organizam-se de forma muito mais precária do que interesses econômicos de pequenos grupos afetados – os regulados – daí a assimetria radical na capacidade de vocalizar propostas, sugestões e críticas construtivas.
Assim, a fim de atender às boas práticas acima mencionadas – “Conferir publicidade aos resultados” e “Envolver o público extensivamente” -, sugere-se que a AIR, no que se refere às consultas públicas, se estruture da seguinte forma:
- O regulador expõe à sociedade os motivos da criação ou revisão de uma regulação potencial e realiza consulta pública para obtenção das informações necessárias, como impactos em diversos agentes e possíveis formas para atingir os objetivos em questão;
- A partir das informações obtidas, o regulador elenca os efeitos relevantes, utiliza o(s) método(s) analítico(s) apropriado(s), toma uma decisão parcial, emite o texto da regulação (caso decida regular) e os motivos para tal (incluindo como ponderou os efeitos sobre os diversos agentes), e inicia nova consulta;
-A segunda consulta consiste em obter da sociedade considerações acerca do texto emitido, nos moldes de algumas consultas realizadas atualmente. Ao término da consulta, o regulador avalia as contribuições e emite a redação final da regulação, acompanhada da justificativa da decisão final tomada.
Com o intuito de evitar a fadiga da consulta e o dispêndio de recursos públicos, sugere-se a realização de um teste de limiar, a partir do número e teor das contribuições da primeira consulta, para verificar a necessidade de realização da segunda consulta. A realização das duas consultas atenderia aos princípios de transparência e prestação de contas, além de, no caso da primeira, servir como importante fonte de dados.
Em audiências públicas, sugere-se a utilização da tecnologia da informação disponível, como o uso de videoconferência, de modo a permitir a participação de agentes de localidades distantes de onde será realizada a audiência. Esta é uma maneira de permitir que agentes com recursos limitados exponham suas posições quanto ao tema em questão e que todos os interessados possam acompanhar as sessões.
Deve-se entender a AIR como uma ferramenta que pode auxiliar o regulador no processo de tomada de decisões, ao aumentar o entendimento dos impactos da ação do governo sobre o mundo real, integrar objetivos políticos múltiplos, aumentar transparência e participação social, e melhorar a accountabilty do governo. Todavia, deve 2 MALYSHEV, N. “The Evolution of Regulatory Policy in OECD Countries”. Paris: OECD, 2002 ser utilizada estritamente como elemento metodológico de avaliação, devendo ser sugerida, e não imposta ao regulador, e empregada no inicio do processo decisório, senão reduz-se a justificar a decisão já tomada. Verifica-se que há expertise e experiência acumulada nas agências que as tornam capazes de integrar, sem maiores dificuldades, os procedimentos de AIR dentro de suas rotinas. A adoção desse mecanismo poderá fortalecê-las frente à sociedade e contribuir para consolidar seus requisitos de autonomia e reputação técnica.

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