Análise de Impacto
Regulatório
A Análise de Impacto Regulatório
(AIR) é um instrumento de aperfeiçoamento da eficácia e da eficiência da
atividade regulatória, que auxilia o regulador a focar nos seus ditames
legais. É parte de um processo de fortalecimento da governança
regulatória, podendo ser visto como um conjunto de recomendações de
procedimentos a serem adotados para melhor informar o processo de tomada
de decisão em regulação.
No marco atual das agências
brasileiras, o legislador já definiu com clareza o objetivo último, de
atendimento ao interesse publico por parte das agências reguladoras.
Nesse caso, a AIR torna-se ferramenta
útil para a escolha das medidas que melhor atendem a esses objetivos – da
forma mais eficiente possível.
Algumas das boas práticas
recomendadas pela OCDE1 para uma adequada implementação da AIR – “envolver
o público extensivamente” e“conferir publicidade aos resultados” – estão
previstas no marco legal brasileiro das agências regulatórias e já foram
incorporadas à sua prática, sob a forma de audiências públicas, consultas
públicas e divulgação das razões que motivaram às decisões. Certamente há
diferenças quanto ao nível de qualidade e de profundidade, mas esse
aspecto da AIR já é uma rotina no Brasil.
Nesse sentido, o projeto de lei nº
3.337/04, a Lei das Agências, em trâmite no Congresso, prevê em sua atual
redação a instituição da consulta pública prévia para todas as agências,
bem como a publicação do material técnico e dados que embasaram a proposta.
A Consulta pública é o processo pelo
qual as partes interessadas informam o regulador a respeito de uma
política potencial. É uma ferramenta útil para aumentar a transparência, a
eficiência e a efetividade da regulação, bem como para reduzir os
custos inerentes a ela. Considerando a função estrita de informar o
regulador, a consulta pública oferece dados condizentes com a ótica da
parte afetada, bem como possibilita considerar efeitos que inicialmente
não seriam percebidos. Além disso, possibilita a utilização de dados
relativos aos efeitos inicialmente considerados, abrindo a possibilidade
de considerar novos efeitos indicados pelos agentes econômicos. Ainda, a
consulta pública amplia a visão do regulador, tal como é a função de
qualquer diálogo e debate ordenado bem conduzido.
Além disso, a consulta pública
corrobora para a legitimação da decisão tomada, que também é uma das
funções da AIR. Pode contribuir nesse aspecto por ser capaz de envolver,
além das partes afetadas, toda a sociedade, fazendo com que todos os
agentes interessados contribuam com a realização da AIR, tornando-a mais
equânime.
Dessa maneira, a utilização desse
instrumento possibilita aproximar as agências da representação das
demandas dos consumidores. Esta, por seu turno, quanto melhor informada e
preparada, reforça a autonomia do regulador contra pressão de interesses
de pequenos grupos organizados, por conformar base ampla de apoio,
necessária até porque boa parte de iniciativas do regulador em prol do
interesse público desagradam aos regulados.
Observe-se que a consulta pública tem
maior utilidade para a AIR se for utilizada como subsídio para análise. Ou
seja, se a sua realização for realmente para servir aos 1 Ver boas
práticas recomendadas pela OCDE em OECD, “Regulatory Impact Analysis: Best
Practices for Regulatory Quality and Performance”. Paris,
1997 reguladores com informações que serão utilizadas no abalançamento dos
efeitos daregulação, e não só ser um instrumento de legitimação da decisão
tomada, ou, e neste caso função da consulta é nula, como apenas uma etapa
burocrática a ser seguida.
Contudo, certo cuidado deve ser
tomado de modo a evitar o que Malyshev2 chama de “Fadiga da Consulta”, um
efeito evidenciado no Canadá e no Reino Unido, segundo o qual as amplas
consultas parecem ter resultado em uma fadiga por parte dos grupos
de interesse, que se sentem sobrecarregados pelo extenso número de
matérias sobre as quais têm de fornecer informação. O efeito, embora
carregue um sinal positivo por indicar que um patamar altamente consultivo
e transparente foi alcançado, pode reduzir o nível de qualidade dos
comentários das partes envolvidas, prejudicando a tomada de decisão política.
Além disso, há ainda o problema da
assimetria de informação e clássico problema da organização de grandes
grupos. Ou seja, os interesses difusos organizam-se de forma muito mais
precária do que interesses econômicos de pequenos grupos afetados –
os regulados – daí a assimetria radical na capacidade de vocalizar
propostas, sugestões e críticas construtivas.
Assim, a fim de atender às boas
práticas acima mencionadas – “Conferir publicidade aos resultados” e
“Envolver o público extensivamente” -, sugere-se que a AIR, no que se
refere às consultas públicas, se estruture da seguinte forma:
- O regulador expõe à sociedade os
motivos da criação ou revisão de uma regulação potencial e realiza
consulta pública para obtenção das informações necessárias, como impactos
em diversos agentes e possíveis formas para atingir os objetivos
em questão;
- A partir das informações obtidas, o
regulador elenca os efeitos relevantes, utiliza o(s) método(s)
analítico(s) apropriado(s), toma uma decisão parcial, emite o texto
da regulação (caso decida regular) e os motivos para tal (incluindo como
ponderou os efeitos sobre os diversos agentes), e inicia nova consulta;
-A segunda consulta consiste em obter
da sociedade considerações acerca do texto emitido, nos moldes de algumas
consultas realizadas atualmente. Ao término da consulta, o regulador
avalia as contribuições e emite a redação final da regulação, acompanhada
da justificativa da decisão final tomada.
Com o intuito de evitar a fadiga da
consulta e o dispêndio de recursos públicos, sugere-se a realização de um
teste de limiar, a partir do número e teor das contribuições da primeira
consulta, para verificar a necessidade de realização da segunda consulta.
A realização das duas consultas atenderia aos princípios de transparência
e prestação de contas, além de, no caso da primeira, servir como
importante fonte de dados.
Em audiências públicas, sugere-se a
utilização da tecnologia da informação disponível, como o uso de
videoconferência, de modo a permitir a participação de agentes de
localidades distantes de onde será realizada a audiência. Esta é uma
maneira de permitir que agentes com recursos limitados exponham suas
posições quanto ao tema em questão e que todos os interessados possam
acompanhar as sessões.
Deve-se entender a AIR como uma
ferramenta que pode auxiliar o regulador no processo de tomada de
decisões, ao aumentar o entendimento dos impactos da ação do governo sobre
o mundo real, integrar objetivos políticos múltiplos,
aumentar transparência e participação social, e melhorar a accountabilty
do governo. Todavia,
deve 2 MALYSHEV, N. “The Evolution of Regulatory Policy in OECD
Countries”. Paris: OECD, 2002 ser utilizada
estritamente como elemento metodológico de avaliação, devendo
ser sugerida, e não imposta ao regulador, e empregada no inicio do
processo decisório, senão reduz-se a justificar a decisão já tomada.
Verifica-se que há expertise e experiência acumulada nas agências que as
tornam capazes de integrar, sem maiores dificuldades, os procedimentos de
AIR dentro de suas rotinas. A adoção desse mecanismo poderá fortalecê-las
frente à sociedade e contribuir para consolidar seus requisitos de
autonomia e reputação técnica.